terça-feira, 24 de agosto de 2010

Um Filme... Parte III

Andei pela cidade a procura das pegadas daquela bota e não percebi que deixei minhas pegadas descalças por todos os lugares que passei. Em vinte e três dias de uma grande procura e sem ao menos dormir, meus pés sangravam e as pegadas ficaram vermelhas.
Não desisti de procurar, entre tudo meu corpo já não aguentava tal peregrinação diária, voltei a minha casa e percebi que tinha algo errado, tinha pegadas vermelhas no chão e não me lembrava de ter voltado em casa, a grande porta de cedro estava aberta e habia um bilhete em cima da mesa. Eu estava tão cansado que apenas o peguei e levei para o quarto de janelas grandes, tomei meu banho e lavei meus pés, deitei na cama de lençóis brancos e tomei coragem para ler.

O bilhete:

Querido,

Passei aqui e você não estava, estou escrevendo esse bilhete sentada na cama do lado em que você dorme, senti aquela meia luz da última noite em que estivemos juntos e o cheiro do seu perfume que ficou em minhas roupas.
O que eu quero te dizer é que não sou sua mas te pertenço, que todas aquelas palavras proferidas a mim quando estavamos juntos entraram e ficaram guardadas. Não vim para te usar e nem para te magoar, roubei suas botas por que são elas que protegem meus pés de sangrar como sangrou todas as outras vezes. Saiba, não confiarei de imediato em tudo que disser, deixar as águas desse lago refletir os meus interesses será a única alternativa que aparente em meus olhos castanhos e carrego todos aqueles presentes que você me deu em um nó de garganta.
Quando ouvir minha voz deixe que ela soe pelas paredes desse imenso casarão e não me procure como se eu fosse única, mas me sinta como se eu fosse única e como se não houvesse mais nada de importante além da nossa música.
Vou dançar para você até que meus pés flutuem, vou deixar que me toque e sinta que também há sangue pulsante em veias de ser humano. Confesso que um dia ficarei exausta da estrada, mas não é certo que será em seus braços que descansarei.
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Fechei os olhos e dormi sobre aqueles lençóis brancos e com o bilhete na mão...





(continua)

domingo, 22 de agosto de 2010

Um Filme... Parte II

Naquela tarde eu acreditaria em qualquer ruído que o sol pudesse produzir ao alcançar o horizonte. Na minha memória ficara gravado a marca daqueles pés em direção a estrada e, enquanto minha mente reverberava, eu a tinha em meus lençóis com aquelas curvas majestosas a me enlouquecer. Escutávamos as músicas de Joan Baez reproduzidas por aquele tocador de vinil antigo do meu bisavô. Músicas que realmente nos tentava a beber um ao
outro. Era de um vinho com sangue e maneiras que não passavam despercebidas ao roubar a taça. Após horas aos carinhos, ela se levantou e disse que mais nada teria a fazer por mim e que era necessário pegar a estrada. Ela vestiu o jeans velho e surrado, calçou aquelas botas roubadas e vestiu a camisa que eu nem mais reconhecia. Se virou e perguntou se eu poderia leva-la a porta. No momento eu desejei que ela ficasse e tomasse o café da manhã, já que o sol se mostrava novamente em uma das horas mais bonitas do dia, mas nada tinha a falar, eu sabia que o caminho dela talvez pudesse ser tão longo quanto o meu. Me levantei ainda nú de toda aquela situação e a levei até a porta.
Duas coisas aconteceram naquele momento: percebi que ela poderia ter ido embora sem me avisar enquanto eu dormia levemente nos lençóis, e que aquela marca de pés descalços na terra era minha. Corri ao quarto vazio e procurei aquele velho fundo falso no piso e, em busca de respostas, achei canivetes, cordas e balas - E lá estavam as cartas
guardadas do mesmo jeito que eu as deixei.
Foi então que percebi que aquelas cartas que ela exibiu não eram as minhas e sim, as dela.

(continua...)

Um Filme...

Ela escuta minha banda preferida e gosta de vinil, deixei meus discos na cabeceira e ela me roubou todos, pegou minhas botas e minha camisa xadrez, entrou no carro e deu a partida no motor. Por alguns segundos acreditei que ela iria embora e deixei que tudo queimasse no fogão ao esperá-la naquela porta de cedro com detalhes de dedos sujos de chocolate. Apaguei meus cigarros de filtro vermelho e acendi uma bala de menta, sentei na escada de frente para o sol exatamente no momento do dia que posso vê-lo ir embora.
Quando vi aquelas marcas de pés descalços na terra percebi o quão longe estava a estrada dos meus olhos. Do asfalto quente ela veio, com minhas botas nos pés sutilmente desdobrou aquelas antigas cartas que descobriu em um fundo falso no chão do quarto vazio, cartas que um dia escrevi quando éramos pequenos demais pra entender essa tal imensidão das palavras até os dias atuais, rigorosamente uma carta por semana. Oitocentos e sessenta e quatro resumos de quais foram os sentidos que minha vida rumou através de todo aquele tempo sem ter.
Veio em minha direção, arrancou minhas roupas, pulou em meus braços e disse tudo que eu queria escutar. Ela nunca me disse nada sobre o seu coração, mas sempre me veio com um sorriso grande no rosto e de olhos brilhantes, me transformando em único e fazendo do momento o melhor de todos já vivido...


(continua...)

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Ela

Não desisto e não me mostro mais,
digo que sim e talvez um não,
me entrego cheio e te desejo igual,
desato um nó de garganta e blindo meus olhos para te dizer tudo isso.
É um feliz contente de contato constante,
com a ressalva de desapego e segurança,
abro as mãos e te recebo assim, como tú és.
Não mentirei que sou seu, mas direi a verdade que ainda sinto que não és minha,
e a medida de tal concentração pulsante,
me enfureci por saber que sou tão entregue,
e te ver tão calma e centrada nos seus objetivos.

Aqueles bons anos eu viveria,
faria um filme onde nós somos os protagonistas,
com uma trilha sonora do "mal",
uma decoração de sapatilhas e guitarras elétricas.
Uma cama macia para deitar e alguns passaportes,
e assim, deixaria que o vento nos carrega-se até os topos de montanhas brancas, verdes, azuis, marrom e toda as nuances vermelhas!